Postado em 11/03/2016
Fevereiro ou março?
Solange Amado
Fevereiro ou março? Maio ou junho? Não me lembro bem. Lá fora
era o calor do inferno, dentro de mim, o gelo siberiano. Ambos insuportáveis.
Daí eu nunca saber quando ele foi embora. Eu vivia no fio da navalha. O inferno
ou o paraíso, mas eu não queria o desequilíbrio, só a completude, apenas a
completude, mas havia a escolha, a merda da escolha. Eu não sabia ainda que
decisões são para sempre, certas ou erradas. Caminho sem volta. Se fizer
besteira, é da besteira pra diante. Também não sabia que para avançar a gente
tem de perder, tem de deixar, tem de desapegar, tem de jogar fora, tem de
sangrar. Só fiz esperar como Carolina na janela. E se eu não saía da frente, a
vida me atropelou sem dó. Quando acordei de muitos ossos partidos, de inúmeros
ferimentos e cicatrizes, ele já havia ido embora.
E agora, José? A Bela Adormecida tem muitos entas, cabelos
brancos, rugas na testa, muitos quilos a mais, juntas endurecidas, e o beijo do
príncipe ficou fechado na gaveta da memória. Tento me lembrar do gosto de
acordar no quentinho protetor de um abraço, tento me lembrar da música que
vinha do seu corpo, ora um Noturno, de Chopin, ora a Abertura 1812, de
Tchaikovsky, quando a euforia dos canhões despertava meus sentidos.
Naquele tempo não havia pecado do lado de baixo do Equador.
Nem as paixões eram contraindicadas. Foram esses momentos de completude que me
enganaram. Achei que podia perpetuá-los impunemente vida afora. Se vis pacem
para bellum. Se queres a paz prepara-te para a guerra. Me esqueci de abrir
trincheiras, de adquirir armas, de vestir uma armadura. E quando ele se foi, me
pegou de calças na mão. E quem não ficaria com cara de tacho se o mundo desse
com a porta na sua cara?
Mas a fila anda, cresci, não obstante partidas e chegadas, me
enchi de sabedoria e aprendi a me proteger à la francesa, cavei uma linha
Maginot, tão eficiente quanto a própria, e um exército de príncipes nazistas de
tempos em tempos invadia o inexpugnável e as minhas defesas desandavam. Concluí que minha estratégia estava errada e hoje, sou uma Coreia do Norte ambulante,
tenho mísseis preparados para qualquer eventualidade. Não vou permitir nem mais
um beijo casto pra despertar minha languidez velha de guerra. Se vis pacem para
bellum. Ando armada até os dentes contra qualquer príncipe, mesmo que ele seja
da raça “consorte”. Não interessa.
O problema é que estou começando a desconfiar que, como com a Coreia do Norte, o mundo, ou os príncipes, estão tão interessados em mim quanto em uma reunião de condomínio. E agora que
não preciso mais me defender, se querem saber, já estou começando a ficar
cansada dessa posição de sentido. Ando querendo mudar de historinha. A Bela
Adormecida deu no que deu, daí, pensei em Cinderela, mas o sapatinho de cristal
já não me serve. Pra Branca de Neve, faltam a neve e os anõezinhos. Talvez eu
possa adotar o Chapeuzinho Vermelho. Acho que é uma boa. Sempre existe a
possibilidade de que na Floresta ainda exista um Lobo Mau. Nunca se sabe, eles
gostam de assediar vovozinhas. E vão dizer que isso não é uma escolha?
Maria Solange Amado Ladeira
- 06/04/2013
www.versiprosear.blogspot.com.br
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