Faltando inspiração


Postado em 11/03/2016
Faltando inspiração
Solange Amado
Não tem tatu que aguente quando a inspiração não vem. Não há transpiração que dê conta. Apelo para todos os santos, pras almas do purgatório (afinal elas andam me devendo: na cadeira do dentista não me esqueço delas). Tento até pai de santo e babalorixá. Nada resolve. Deu um apagão na cachola. Nesse momento padeço de uma constipação mental tão profunda, que nenhum bisturi eletrônico logra extrair alguma criatividade das profundezas do meu cérebro.
As horas vão passando e o apagão nos neurônios continua firme. Fico tentada a recorrer à CEMIG pra restabelecer os circuitos cerebrais, mas provavelmente ela levará alguns dias nessa operação e eu não tenho tempo. De qualquer maneira, confesso que não é bem isso que eu necessito. Não é que meus circuitos cerebrais não andem funcionando, acontece  que eles estão sofrendo do que os franceses chamam de “mal de siècle” e os italianos de “noia di vivere”, algo assim como a marcha lenta dos baianos. Baixou um tal mormaço nas palavras que elas parecem se arrastar em fila indiana. Não ousam sair da rígida formação a que foram habituadas por muitos anos de controle. E nem uma bronca paroxística consegue tirá-las desse ramerrão. Nem mesmo uma ordem do meu sargento superego: debandar! Nem assim.
Quem sabe se eu usar alguma astúcia feminina, algo mais suave e carinhoso? Não custa tentar. Explico pra elas, não obstante o olhar de desconfiança, que estou tentando ser artista. Embarquei nessa canoa. Artista pode bagunçar o coreto. Artista tira leite de pedra. Artista não tem bússola e por isso pode errar. Dar com os costados em qualquer lugar onde lhe der na telha: pode sair da fila, mudar as regras no jogo das palavras e desencavar outro sentido que não essa rígida marcha de passo de ganso. Nada. Elas não se sensibilizam.  Chego a abrir a porteira e as estimulo a usufruir de uma liberdade impensada. Sem êxito. Elas me olham desconfiadíssimas e não se mexem. Afinal, nunca me apresentei pra elas assim como artista. Tenho de esperar que elas me aceitem com meu novo status. Não posso forçar a barra. Mas não posso abrir mão. Essa rebeldia não vai me abater. Entrei de cabeça na onda da poeta Cora Coralina.
                          “Não te deixes destruir...
                            Ajuntando novas pedras
                             E construindo novos poemas”.
É isso. Vou fazer algo com minha vida mesquinha. Nem que me vire do avesso. Será um verso no verso.




Maria Solange Amado Ladeira                          05/11/13

Um comentário:

  1. Um assombro como consegue lidar com a falta de inspiração. Coisa de artista, que tira leite de pedra, cavouca feito tatu e, nos finalmentes, produz um belo e divertido texto. Parabéns!

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