De ponta cabeça


Postado em 20/03/2016
De ponta- cabeça
Solange Amado

Nem pensar. Não quero pasmaceira. Nada de coerência. Mesmo assim, minha paz de espírito não me permite ultrapassar pela direita ou parar no acostamento da minha escrita. Fica tudo assim, meio redondinho.
Não que eu tenha medo de atropelar os leitores. Eles não são obrigados a percorrer a mesma estrada que eu. Se o fazem, é por amor ao perigo. Mesmo assim,  tenho lá meus escrúpulos e vou respeitando a sinalização. Até hoje.
Nesse momento, resolvi deixar os freios em casa, e vocês já estão avisados de que ando meio cansada de respeitar limites. Se mesmo assim, resolverem me acompanhar, segurem-se, que, de agora em diante, vale tudo, de vez que ando meio estressada de patrulhas no trânsito das palavras. Tem sempre uma sirene tocando quando derrapo numa vírgula ou quando pego a direção errada num cruzamento. Lá vem bronca, advertência, multa. Proibido virar à esquerda, proibido ultrapassar pela direita do seu raciocínio, siga a seta da coerência, precisão no volante do texto é vital prum contexto arrumadinho. E quem disse que é essa a minha rota? Quem disse que é esse o rumo da minha prosa? Mantenha-se vivo no seu texto, buzina a voz do além de algum professor de jornalismo. E quem disse que viver é preciso? Volver é preciso, isso sim! Se possível, na contramão.
Quantas vezes a vida não me atropelou porque me faltaram instrumentos que medissem o tsunami que estava a caminho? Quantas vezes não fiquei empacada num engarrafamento de palavras, esperando pacientemente abrir caminho na direção certa, só pra que pensem que eu sou normal?
Pois hoje, vou dirigir meu texto na contramão, que nem um trem- bala suicida, sem dogmas ou compromissos. Ao invés de entrar pelo portão, vou pular o muro das normas e cair do outro lado. Vou marcar um encontro com vocês fora dos parênteses, logo alí, depois da vírgula, e desviando do ponto final. Quem sabe, eu até aceite o conselho de Pablo Neruda, começo um texto com letra maiúscula e termino com um ponto final, mas isso é o máximo de concessão que eu faço. No meio, não vou organizar ideias, vou deixar que elas entrem no ritmo do frevo, do maracatu ou de uma valsa de Strauss, como quiserem, e se acomodem como bem lhes aprouver, daí, é mamão com açúcar, moleza; faço que nem aquele velho escultor, só vou entalhando e tirando tudo o que não for um alce, leia-se, vou me desviando de tudo o que não for parecido comigo, o que não tiver de mim, o molho, a melodia, o timbre, o bamboleio. Mas aí eu me enrosco. Eu não sou um alce, sou só uma imigrante no país de mim mesma. Uma espécie de OVNI. O nó é esse: se eu nem sei quem sou ou onde estou, como é que vou ter a pretensão de perder o rumo de casa e espalhar palavras loucas no papel?
Pois saibam que há uma saída: vocês. Gostem ou não, vocês vão dando um jeito de encaixar a minha toada na sua pauta, boa ou ruim, isso depende do arranjo.  Cujo,é da competência de cada um.
Não devia, mas, vou facilitar as coisas para vocês com um aviso. Avisos são sempre chatos, são sempre puxões de orelhas, mas, como estou com péssimas intenções vou ser boazinha:não quero que vocês entendam, não acreditem em mim, tudo é pura mentira. Mas são as mentiras mais honestas que eu já disse. E tenho até o aval do poeta Paulo Leminski:
“Um poema
Que não se entende
É digno de nota

A dignidade suprema
De um navio
Perdendo a rota”.

É isso. Me afasto das calmarias e me descubro essa terra estranha.

Ma. Solange Amado Ladeira                11/03/14

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