Postado em 16/03/2016
Berço esplêndido
Solange Amado
Minha faxineira vai comprar seu remédio na Farmácia Popular.
Não tem. O site está fora do ar. Volte depois.Ela volta. Nada. Ainda fora do
ar, sem previsão de volta. Ela não pode ficar sem o remédio. O que fazer? O
farmacêutico encolhe os ombros.
Preciso de uma certidão. O site da SEPLAG está fora do ar.
Não posso acessá-lo. Vou lá pessoalmente. Não adianta. Tá tudo emperrado. E no
dia em que desemperra, a máquina teima em não reconhecer o meu MASP. Engulo o
sapo.
Agendar uma entrevista na Polícia Federal pra renovar meu
passaporte também não rola. Só pela
internet é a explicação que ouço. Mas o site está com problemas. Não vou
conseguir. Tenho de esperar. Até quando? Quosque tandem?
Faz 33 graus à sombra. Meus miolos ameaçam pegar fogo por
combustão espontânea. Não consigo me movimentar bem nessa canícula. E pelo que
vejo, também os órgãos do governo hibernam. Quando o inverno chegar, talvez
eles funcionem. Mas o bebê da faxineira do prédio é rebelde, não quer esperar o
inverno. Teima em vir ao mundo nada menos do que agora, quando não há vaga na
maternidade. Vai na calçada mesmo. Não há crise, é que pobre é chato mesmo.
Reclamão. Impaciente.
E tem gente mal informada dizendo que o país tá no vermelho.
O Brasil sempre foi verde amarelo. Não há porque mudar de cor agora. Só os
bancos de sangue gozam de uma certa vantagem quando o vermelho está em alta.
Nessa terra, em se plantando tudo dá. Dá se São Pedro
colaborar e equilibrar chuvas e sóis nas horas adequadas. Mas São Pedro é de
uma labilidade emocional que irrita qualquer um. Quando abre as torneiras,
esquece de fechar. E às vezes, ele resolve fazer economia e tome seca. Mesmo
assim, se planta. Às vezes dá. E quando dá não tem estrada pra escoar a
produção. Nem estrada, nem trilhos, nem rios que estão morrendo de sede.
Dinheiro tem pra driblar São Pedro, mas ele está do outro
lado do oceano, bem além da Taprobana. Esse sim, escoa. Pro bolso de alguém que
nunca é ele. Esse não sou eu. Baita crise de identidade.
Nessa casa da mãe Joana, os pobres vão bem obrigado. Não
porque tenham passado de pobres a remediados. Quem dera! Não é essa a ideia. É
que para evitar o desequilíbrio social, o governo resolveu ir podando a classe
média, assim, todo mundo vira pobre. Só vai ficar uma camada de ungidos, que
podem ter acesso à Taprobana e pegar o dinheiro que ninguém é de ferro.
Mas posso assegurar a vocês que não há crise. Se o rei estiver
nu, a gente veste ele com uma calça jeans de palavras. Velhos e repetitivos
refrões que relutam em cair do galho, porque a gente quer acreditar. Precisamos da
esperança, e como diria o velho Freud, a gente só vê e ouve, aquilo que
quer. Nada além disso.
E nós não queremos ouvir os gritos desesperados, angustiados
de uma parturiente em frente ao hospital. E não queremos ver um bebê morrendo
por falta de recursos, a falta dessa grana que não é de ninguém.
Esse bebê se foi sem nenhum murmúrio de protesto, e não vai
ter direito sequer a um berço esplêndido ao som do mar e à luz de um céu
profundo.
Maria Solange Amado Ladeira 15/03/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário