A vacina da esquerda


Postado em 04/02/2016
A vacina da esquerda

Solange Amado
Do alto dos seus 21 anos  e 1m95cm de  beleza e juventude, ele anuncia candidamente que está pensando em entrar para um partido de esquerda e se candidatar para prefeito. O coração dela quase parou. Mas fez cara de paisagem. Péssima ideia desafiar um jovem. Então, dê trela, ganhe tempo, faça-o pensar, reflita com ele. Mãe sofre!
E toca o filho a expor os seus sonhos, a desenrolar os seus planos de consertar o mundo, de estancar a hemorragia de rapinagem que assola o país. E vamos de esquerda responsável, de participação reflexiva, de trabalhos em comunidades de base, e coisas que tais. E tome de blá, blá , blá. Tudo mais para a esquerda, como se a esquerda fosse uma vacina contra ladroagem institucionalizada, a salvação da pátria; pelo menos, era o milagre em que ele acreditava.
Mãe não tem sossego. Disfarçou o pânico. Norte de Minas. Pistolagem braba. Lugar onde as querelas políticas são resolvidas na base do trabuco. Hay gobierno? Soy contra! Pensou no filho perdido naquele vale tudo. Um Estado Islâmico onde a justiça passou longe, onde o poder do coronelismo é a lei, e é melhor olhar para o lado ou pender para o lado do poder.
E agora essa. Lembrou-se de uma declaração de Pepe Mujica, o ex presidente do Uruguai, “a esquerda sofre de infantilismo”. Em tempos idos, Mujica foi tupamaro, guerrilheiro, pegou em armas, matou, quase morreu e sustentou que a única luta era essa. Depois cresceu, adquiriu experiência, tornou-se presidente do seu país e o discurso abrandou. Continuou esquerda, mas reviu posições, suavizou o discurso e o coração. Seu filho teria essa oportunidade?
Ela sabia. Desde que o mundo é mundo, pouca coisa mudou. Capitalismo selvagem, anarquismo, comunismo, terrorismo, uma quantidade de ismos e a rapinagem, a exploração, só aumentando. Um câncer corroendo as entranhas do país, dos países. Metásteses corroendo todos os órgãos desse corpo chamado instituição. Os membros sem forças, entregando os pontos. A doença resiste a qualquer químio, rádio, imuno, novenas, rezas, raízes. A rapinagem tem raízes mais profundas. Não tem cura. Há melhoras, períodos de remissão, coisas que tais. Cura não. Ela sabia e sofria. Vontade de ser canguru e encerrar o filho no seu ventre pelo resto da vida. Impossível.
Não há cura. Ela sabia. Nem pra esse desejo materno de proteger a cria, nem para a incorrigível esperança da juventude. Ela costuma ser tão forte e tão teimosa que quase consegue. E quase é tudo o que o humano consegue. O problema é que é difícil se contentar com esse quase. Mujica chegou lá. Descobriu isso. Mas Mujica já está na reta de chegada. Seu filho está no ponto de largada. Com a corda toda e um mundo de decepções e de dor pela frente, marchas e contramarchas. Mas quem sabe, pode chegar quase lá.
Melhor se acalmar. Tinha de se lembrar de recomendar Mujica como leitura de cabeceira do filho.
Naquela mesma tarde tinha acabado de ler um livro sobre a União Soviética,  e um caso muito comentado na época, reflete bem o que essa nossa pátria mãe gentil anda passando: Já bem velhinha, a mãe de Leonid Brejnev, então Primeiro Secretário do Partido Comunista, resolveu fazer-lhe uma visita. O filho manda busca-la num tremendo rolls royce negro, com chofer e tudo e a conduz para a sua dacha luxuosíssima, piscinas, lagos, iates, muita criadagem à disposição. A ostentação própria da cúpula do partido. A velha senhora bota reparo em toda aquela riqueza e ostentação e pergunta candidamente: “Filho, o que é que você vai fazer se o comunismo voltar?”
Boa pergunta! A que não quer calar. Nossa amiga pensa: se a esquerda alcança o poder nesse país, o que é que a rapinagem vai fazer?



Maria Solange Amado Ladeira                                   01/02/2016


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