Postado em 29/02/2016
Pontuações
Solange Amado
Na história do Jardim do Eden, quem conta um conto aumenta um
ponto. Vai daí que os pontos são perigosos e vai daí que resolvi que cada um
vai escolher o seu ritmo, e assim me livro de interrogações, exclamações,
declamações, reclamações e todas as complicações das pontuações, que sempre são
comprometedoras, de vez que fazem a gente engolir gato por lebre. Por exemplo
se eu inventar de dizer uma frase altamente suspeita, como se o homem soubesse
o valor que tem a mulher, estaria de quatro a seus pés, logicamente que a
mulherada colocaria a vírgula rapidinho depois da palavra mulher e o homem
abominaria dar o braço a torcer, e optaria por puxar a vírgula para a sua
sardinha, logo depois do tem, o que me colocaria com cara de tacho porque eu
estaria compactuando com uma supervalorização do macho da espécie, que nem é
grande coisa, pois naquela história do paraíso ele só deu vexame posando de
Maria vai com as outras, embarcando na canoa furada, tanto da Eva quando da
serpente e desde então, seus descendentes se encontraram nessa terrível
bananosa que é a Babel moderna, e ninguém questiona se haveria uma possível
culpa do Adão, uma vítima inocente da natureza perversa da mulher, embora eu
não acredite uma vírgula nesse mito do homem pelado e indefeso nas mãos da
mulher cobra, que vai ver estava apenas cobrando uma atitude mais viril dele,
que tenho lá minhas dúvidas se Adão era capaz de provocar um terremoto de
sensações nas preliminares diárias, no rala e rola com a Eva e tenho minhas
desconfianças se havia qualquer coisa além de ponto 3 na escala Richter, quando
muito um bradisismo para permitir um ajustamento das suas placas tectônicas, e vai ver a maçã
era só uma tentativa de incrementar esse monótono papai e mamãe da época; que
não havia como recorrer ao Viagra e não havia como discutir a relação e nem ao
menos uma olhadela mais pecaminosa para a mulher inexistente do vizinho;
inexistente de vez que a perfeição quadradinha do paraíso não permitia um
extenso leque de objetos para a realização do desejo. E se não permitia a
ruptura daquela perfeição paradisíaca, foi dando uma ziguizira no casal 20
original, que não tinha nada de original, e daí a inquietação que primeiro
mordeu a serpente, depois a Eva, depois Adão que ao invés de morder a Eva
mordeu a maçã e dependendo da vírgula,
não se sabe quem mordeu quem ou o que, e é por isso que não quero me
comprometer nem uma vírgula com as pausas pra pegar o fôlego, e dar sentido ao
non sense da criação de vez que criação é ruptura, é fugaz, é pontual, e só se
pontua no particular. Então que cada um lance mão dos seus pontos asteriscos,
vírgulas, travessões e parágrafos, e deixem de jogar a culpa na Eva no Adão ou
em mim, que nem gosto de maçã, muito menos de serpente, e a única coisa que
pontuo nessa história toda é que se a folha de parreira foi suficiente pra
cobrir todas as vergonhas nascidas da transgressão do paraíso primordial, nem a
folha de bananeira daria conta das transgressões daquele paraíso situado no
planalto central desse país varonil.
Maria Solange Amado Ladeira –
23/04/13
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