Postado em 28/02/2016
Paródia
Solange Amado
Pode tirar o cavalinho da chuva quem quiser que eu faça uma
paródia. Me levantei hoje com o ovo torto, cabelo arrepiado nas ventas. Sou
Maria mesmo, mas não vou com as outras. Não vou surfar nas ondas de ninguém. E
nos meus versos, ninguém vai tirar casquinha. É verdade que não sou dona das
palavras. Elas são cavalos selvagens que correm pelas pradarias das bocas e dos
papéis; indomáveis, em desabalada carreira, numa liberdade tão frenética que
nos faz prisioneiros dessa obsessão de alcançá-las. Vez em quando, consigo
capturar algumas e tento domesticá-las para compor um texto ou poema
indisciplinado. Mas não as escravizo. Elas já foram beneficiadas pela lei do
Ventre -Livre. Eu as convido a fazer parte do meu exército meio desajeitado de
Brancaleone. E elas se encaixam aí, por uma espécie de livre e espontânea
coação. Mas mesmo que estiverem coactas, isso é problema nosso. Meu e delas.
Ninguém tem o direito de tirá-las da coreografia na qual as encaixei.
Sei que só posso guardar as palavras debaixo das minhas asas
por um pouco de tempo. É quando me sinto mãezona, proprietária delas, e sou
capaz de rosnar pra qualquer aventureiro que queira meter o bedelho nessa
simbiose, mas isso dura pouco tempo. Logo elas criam pernas, e nem bem abrem os
olhos para a vida, como diria Cartola: “já anunciam a hora da partida”. E eu
entendo que é inútil detê-las.
O que me doi mais é não poder defendê-las de criaturas mal
intencionadas que provavelmente, vão fazer um péssimo uso delas, vão
explorá-las de modo vil. E eu vou assistir impotente a esse palavricídio, do
qual, a maioria escapa impune.
Tá bom. Eu explico. Dias desses, arrumo um bando de palavras
de modo caseiro, informal e mando por email a um amigo, à guisa de provocação,
falta do que fazer, como queiram. Ele me respondeu dizendo que precisava
escrever um artigo para um jornal e, premido pela falta de inspiração, estava
tentado a utilizar meu “textículo” despretensioso para tal fim. ”Posso?” Me
perguntou. E eu, encantada com minha magnanimidade, respondi: ”Vá em frente!” E
ele foi. E fez. Manteve a toada, o tutano, botou uma palavrinha aqui, outra
acolá. Foi muito elogiado. Sinto dizer que ficou bom pra caramba. A emenda
ficou melhor que o soneto.
Dirão vocês que isso não é uma paródia (quando muito pode ser
um par Ódio). Mas mexeu com as minhas palavras e com meus brios. O ciúme, essa
palavra incandescente, pra não dizer indecente, esse monstrinho de olhos
verdes, invadiu o pedaço cochichando: “Bem feito! Continue bancando a generosa,
e ele vai continuar fazendo cortesia com o chapéu alheio. Sua imbecil!”
E não adianta vocês se aborrecerem comigo. Salta aos olhos.
Eu é que sou uma paródia. Deve existir alguém magnânimo nessa nossa galáxia. E
eu pensei que podia copiar essa magnanimidade. Percepção mais troncha.
Altruismo aqui casou, mudou e nem me convidou.
Pensar que ontem mesmo, mandei aos meus amigos um poema de
Jorge Luiz Borges: “...as tuas alegrias, os teus triunfos e os teus êxitos não
são meus, contudo, desfruto sinceramente quando te vejo feliz”.
Tudo mentira. Lindo, mas mentiroso. Maior caô da paróquia.
Eu vivo mesmo é voltada pro meu próprio umbigo. Quero mesmo é
que o meu amigo se exploda com as MINHAS palavras, que ele ousou embelezar com
o seu talento.
Em sendo assim, não me falem de paródia. Boa coisa não vai
sair daí. PAR ODIAR, vai ver, é botar chifre em um dos cônjuges de algum par
próximo a você.
E isso não é bonito, não é honesto, não é ético. Mas eu
também não sou. Então, me deem licença que eu vou mandar um email para o meu
amigo, elogiando o texto bacana que ele produziu. Vou desfrutar da felicidade
dele, mesmo que no fundo, no fundo, eu ache que essa felicidade foi é
DESFURTADA.
Maria Solange Amado Ladeira
05/05/2015
www.versiprosear.blogspot.com.br
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