Mistérios do Clube do Bolinha


Mistérios do clube do Bolinha
Solange Amado

Ela era nova no bairro. Raspou a cabeça, começou a usar roupas masculinas. Fez amizade com alguns meninos e conseguiu entrar para o fechado clube do Bolinha. Queria saber da vida dos meninos, o que eles pensavam, o que eles queriam. Soube. E se arrependeu. Não valeu a pena o esforço. Homens são de uma obviedade de dar canseira. Mas o lado de lá da cerca sempre causa frisson, e nós humanos somos incorrigíveis na crença ingênua de que podemos ter a chave que nos abrirá, de uma vez por todas, as portas para o sexo oposto. Ainda que, atualmente, fique cada vez mais difícil definir “oposto”. E então?
Isso me fez lembrar o velho Freud  na sua peleja por toda uma vida com as mulheres e os charutos. Nunca resolveu a sua dependência dos últimos e nunca conseguiu decifrar as primeiras. O que quer uma mulher?  Questão que ele não conseguiu responder e que ainda continua ecoando na literatura psicanalítica e na literatura em geral. E incapaz de responder, inventou uma série de teorias altamente suspeitas sobre uma provável superioridade intelectual e emocional do homem sobre a mulher. Quando ele achava que estava desvendando o mistério do feminino, a mulher se desdobrava. Como sempre. É uma, é muitas, no dizer de Adélia Prado. Impossível agarrar tantos femininos.
A despeito disso ou, talvez , exatamente por isso, a mulher não se dá por satisfeita. Além de se desdobrar em muitas, de ser uma metamorfose ambulante, ainda encomprida os olhos no pomar do vizinho, no caso o homem, a ponto de, com a  ajuda de uma serpente e de uma maçã, jogar farofa no ventilador masculino.
A curiosidade matou um gato, mas isso não tem importância nenhuma quando se trata de espiar os homens em trajes menores pelo buraco da fechadura. E só o impulso visual não dá camisa a mulher nenhuma. Somos seres táteis e olfativos. É preciso tocar, cheirar, ciscar no terreno deles, dos rapazes, mesmo que sejam considerados monótonos e previsíveis. Afinal, é o único gênero que se encaixa em nosso design – côncavo e convexo. A menos que haja vida em Marte e alí o lay out seja mais criativo e deixe margem assim prum “depois eu conto”.
Não sei. Desconfio que 3 coisas, se oferecidas, resolvem o problema masculino numa ilha no meio do oceano: cerveja, revista de mulher pelada e uma bola. Pronto. É só isso. Não é necessário raspar a cabeça, vestir roupas de homem e penetrar no androceu para descobrir possíveis segredos inconfessáveis da alma masculina. Ou não? O que sei eu, se nunca ousei sair dos meus limites?
Vai ver, nossa amiga curiosa não era só nova no bairro. Era um tanto crua também nessa coisa de alma feminina. E pra chegar até aí, teve de mudar a rota e fazer um desvio pelo bairro dos homens.. Jogar futebol com eles e espiar no vestiário masculino, talvez aí pudesse aprender a se desdobrar.
Os homens vêm experimentando o caminho inverso, experimentando um passeio pelo gineceu, ainda que no geral, se percam no caminho. Não têm como se orientar num terreno inóspito, cheio de curvas e desvios inesperados.
Essa ousadia, no entanto, me enche de respeito. Ter a ousadia de se perder no campo minado e desconhecido de outro gênero é coisa pra artistas, poetas e corajosos. Não que essa viagem vá mudar o curso do mundo. Vai só jogar nele o inesperado, a cor, a alegria, a surpresa do diferente. Pra isso, a única solução é botar o time em campo, porque,  nesse caso, como já dizia Guimarães Rosa “sabença aprendida não adianta de nada".




Maria Solange Amado Ladeira              03/06/14

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