Olhando para trás, percebo que foi um acidente. Eu tropecei
nesse amor. Saí catando cavaco, levando a toalha da mesa, toda a louça branca,
e de quebra, adquirindo belos hematomas. E ninguém pode me culpar; esse amor
lusco- fusco foi feito exatamente pra me desequilibrar, como de resto são todas
as espécies de amor. Mas o problema aqui não foi a espécie, foi o gênero. Quem
diria!
Mulher com mulher dá jacaré! Jacaré, cobra, lagartixa, isso
não me interessava, quando muito servia para encontrar uma rima, onde, no meu
entender não havia nenhuma. Meu tesão era reservado aos homens e cumpriu
fielmente todas as etapas. Era assim que as coisas funcionavam. Corda e
caçamba, panela e tampa. As coisas se encaixaram tão bem que me casei. Com um
homem. Simples assim. Não havia dúvidas: tesão, pressão e lá fomos nós de
festa, vestido branco e flor de laranjeira, canseira, filhos, até que as coisas
se acomodaram na pachorra de um outono amoroso; completamos o ciclo e nos
acomodamos naquele laço bambo. E nos abandonamos na mesmice daquela convivência
de Sísifo, que não vai a lugar nenhum. Mas não é assim que as coisas acontecem?
Todos os tesões não se perdem no meio do caminho como água empoçada? Todos os
relacionamentos não viram lama depois da enchente? Assim, ficamos olhando um
para o outro com aquele indefectível olhar de dromedário cansado.
De vez em quando eu tinha alguns pruridos de lucidez, e
aquela situação um tanto bizarra me incomodava e me fazia desejar uma tsunami
amorosa, algo que sacudisse a mesmice, uma paixão que me fizesse ouvir
estrelas, por mais que meu lado racional brigasse com aquele sonho (ou seria
pesadelo?) de funcionar fora dos trilhos. Uma paixão outsider.
Se não me engano, foi Olavo Bilac quem disse: “até nas flores
se encontra a diferença da sorte, umas enfeitam a vida, outras enfeitam a
morte”. Pois foi isso: uma diferença de gênero, pelo menos, gênero beco sem
saída. Não sei que gênero de flor eu sou, mas nem nos meus melhores sonhos, ou
nos meus piores pesadelos eu podia me
imaginar trocando ele, por ela, porque, por mais que me expliquem, não
sei o que fazer com esse amor, não sei como explicar, não sei como viver, não
sei em qual direção um desejo deve se voltar, não sei como funcionar nessa
marginalidade amorosa. Não sei como me envolvi nessa nebulosa. Não sei como
entrei, não sei como sair. E nem quero. Esse amor neblina é o que provoca ondas
e balança as águas desse rio estagnado que tem sido minha vida.
Mulher com mulher dá jacaré. Desconfio que vou ser engolida
pelos dentes do preconceito, pela bocarra da intolerância, pelas mandíbulas da
incompreensão. Mas foi preciso esse amor neblina, vivido no crespúsculo para
iluminar a minha estrada. Fez-se luz. Finalmente. 11/06/13

Nenhum comentário:
Postar um comentário