Amor Neblina


Maria Solange Amado Ladeira
Olhando para trás, percebo que foi um acidente. Eu tropecei nesse amor. Saí catando cavaco, levando a toalha da mesa, toda a louça branca, e de quebra, adquirindo belos hematomas. E ninguém pode me culpar; esse amor lusco- fusco foi feito exatamente pra me desequilibrar, como de resto são todas as espécies de amor. Mas o problema aqui não foi a espécie, foi o gênero. Quem diria!
Mulher com mulher dá jacaré! Jacaré, cobra, lagartixa, isso não me interessava, quando muito servia para encontrar uma rima, onde, no meu entender não havia nenhuma. Meu tesão era reservado aos homens e cumpriu fielmente todas as etapas. Era assim que as coisas funcionavam. Corda e caçamba, panela e tampa. As coisas se encaixaram tão bem que me casei. Com um homem. Simples assim. Não havia dúvidas: tesão, pressão e lá fomos nós de festa, vestido branco e flor de laranjeira, canseira, filhos, até que as coisas se acomodaram na pachorra de um outono amoroso; completamos o ciclo e nos acomodamos naquele laço bambo. E nos abandonamos na mesmice daquela convivência de Sísifo, que não vai a lugar nenhum. Mas não é assim que as coisas acontecem? Todos os tesões não se perdem no meio do caminho como água empoçada? Todos os relacionamentos não viram lama depois da enchente? Assim, ficamos olhando um para o outro com aquele indefectível olhar de dromedário cansado.
De vez em quando eu tinha alguns pruridos de lucidez, e aquela situação um tanto bizarra me incomodava e me fazia desejar uma tsunami amorosa, algo que sacudisse a mesmice, uma paixão que me fizesse ouvir estrelas, por mais que meu lado racional brigasse com aquele sonho (ou seria pesadelo?) de funcionar fora dos trilhos. Uma paixão outsider.
Se não me engano, foi Olavo Bilac quem disse: “até nas flores se encontra a diferença da sorte, umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte”. Pois foi isso: uma diferença de gênero, pelo menos, gênero beco sem saída. Não sei que gênero de flor eu sou, mas nem nos meus melhores sonhos, ou nos meus piores pesadelos eu podia me  imaginar trocando ele, por ela, porque, por mais que me expliquem, não sei o que fazer com esse amor, não sei como explicar, não sei como viver, não sei em qual direção um desejo deve se voltar, não sei como funcionar nessa marginalidade amorosa. Não sei como me envolvi nessa nebulosa. Não sei como entrei, não sei como sair. E nem quero. Esse amor neblina é o que provoca ondas e balança as águas desse rio estagnado que tem sido minha vida.
Mulher com mulher dá jacaré. Desconfio que vou ser engolida pelos dentes do preconceito, pela bocarra da intolerância, pelas mandíbulas da incompreensão. Mas foi preciso esse amor neblina, vivido no crespúsculo para iluminar a minha estrada. Fez-se luz. Finalmente.      11/06/13                 




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