Não sei andar de bicicleta. Não dirijo, e nunca falei a
língua do p. Não obstante essas deficiências sérias, rezo o pai nosso e canto
“luar do sertão” em latim. E vocês sabem, “quidquid latine dictum, sit altum
videtur”, tudo o que é dito em latim, parece profundo. E não bastando ter o
sobrenome AMADO, o que sugere uma certa intimidade com o Jorge (sem ser o
Clooney, infelizmente), já li “Gabriela cravo e canela” em italiano, o que de
resto, não tem nenhum mérito, que o trabalho insano foi do tradutor. Também
canto a “Marselhesa” em francês, porque a Irmã Judite me impôs como castigo no
colégio, e posso falar “the book is on the table” sem quase sotaque nenhum, o
que me permite passear pelo mundo sem me perder, já que posso me virar com o
inglês. E não é só isso. Tem mais. Modéstia às favas, constato que tenho algo
em comum com Einstein: quando garoto, a escola o considerava um imbecil. Eu só
consegui essa façanha depois de adulta. Levei um tempo para adquirir esse
status, mas consegui. Cheguei lá.
Como vêem, já tenho material suficiente para impressionar os
meus pósteros, mas os quinze minutos de fama teimam em não dar as caras, não
obstante meus bravos esforços. Não posei para a Playboy, de vez que não me
chamaram, e o mais próximo que estive de uma performance pelada, foi uma
tentativa frustrada de strip-tease aos 11 anos, que não deu nenhum ibope.
Desconfio que esse convite agora está descartado. Então, ando dando tratos à
bola, sobre como aparecer sob as luzes da ribalta.
Uma vez, um apartamento no meu edifício pegou fogo. Eu nem
sabia quem era o proprietário. Os bombeiros passaram por dentro da minha casa e
enlamearam o meu tapete; uma rede de televisão veio atrás e me entrevistou, mas
logo depois arrumaram coisa melhor e a matéria não foi ao ar, nem ao mar.
Fiquei a ver navios. Depois disso, bati na trave, quando num dia de chuva,
alguém decidiu saltar do alto de um edifício e se estatelou a poucos
centímetros de mim. Por um triz, escapei de meus quinze minutos de glória, mas
isso não conta porque eu não ia mesmo usufruir deles.
Outro dia, a nutricionista me deu uma bronca, meu corpo está
mais pra pera do que pra maçã ( ou o contrário, não sei), que seria mais
politicamente correto em termos de nutrição (assim dizem os bambambans do
pedaço). Fui pra casa matutando: mulher pera. É uma ideia. Acabo de ver uma
mulher melancia na televisão, recebendo flores, afagos, chamegos e homenagens
por muito mais de quinze minutos. Por que não? Só não sei o que fazer pra
lançar uma mulher pera no mercado. Entendo pouco de hortifrutigranjeiros. É
verdade que seria uma pera meio passada, mas no terceiro mundo ainda dá caldo,
não podemos ser muito exigentes.
Pensei em cantar no metrô na base de um banquinho e um
violão. Vai que alguém faz um vídeo e eu apareço no Fantástico. Não daria
quinze minutos de fama, mas quinze segundos já é um começo. Fui dar uma
conferida dia desses, mas o metrô estava tão cheio que perigava aquela multidão
me empurrar com banquinho e violão pro meio dos trilhos. E ninguém desponta pra fama debaixo de um trem.
As soluções andam ficando escassas, e o tempo também. Mas sem
chance, não vou desistir. Estou lendo sobre os czares da Russia. Taí. Deixei
passar o momento de me lançar como Anastásia, a filha do czar Nicolau II,
supostamente sobrevivente do massacre de Ecaterimburgo. Não é nenhuma
originalidade, muitas sósias já apareceram, e a verdade é que a situação está
um bocado russa nesse nosso país. Mas não sei se daria certo. Nunca fui russa,
em russo só sei falar spacibo, e meu sangue não é nadica de nada azul, o bom é
que até que provassem esses pormenores, eu já tinha tirado um bocado de
casquinha da mídia. Agora não dá mais, eu teria de ter 114 anos e isso, nem a
múmia do Faraó Ramsés II.
Sei não. Algo me diz que só falta mais um pouquinho. Já estou
sentindo as primeiras bafejadas da fama. Enquanto isso, vou usando óculos
escuros extravagantes pra não me reconhecerem nas ruas e tenho treinado meu
sorriso para aparecer nos selfies sem o recurso do photoshop (meu lado esquerdo
é um pouquinho mais favorável). E tenho me preparado para os autógrafos,
treinando uma assinatura mais legal para atender aos fans. Por enquanto, só o
banco notou e já me questionou sobre essa caligrafia mutante nos cheques, Não
importa. Como o assédio irrita, estou praticando ioga, meditação, budismo e vou
me tornar praticamente uma “Miss Simpatia”. Estou fazendo um estoque de
palavras-placebo, daquelas que não pisam no calo de ninguém e nem me
comprometem (ando tomando lições particulares com a nossa presidenta).Enquanto
isso, vou beijando muitas criancinhas.
E ainda vou mais longe. Comecem a treinar como falar bem de
mim e serem bastante convincentes, porque vai que apareço no “Arquivo
Confidencial” do Faustão e eles cismam de aparecer aqui para entrevista-los?
É isso, e não vou me alongar mais porque ando muito ocupada
preparando mais uma investida na mídia. E se vocês acharem que é muita
pretensão minha e ficarem me olhando, ironicamente da cabeça aos pés, digo que
nem o Bob Marley: “Não importa que me olhem da cabeça aos pés, não vão fazer
minha cabeça, nem chegar aos meus pés”. Hão de convir: Sou uma promessa, não
sou? E como não temos promessas suficientes nesse país, continuem me botando reparo.
Maria Solange Amado Ladeira 04/08/15
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