Fobias
Solange Amado
A moça tinha medo de espaços fechados. Ele tinha medo de
espaços abertos. Medo por medo, ela foi viver com ele. Achou que era uma boa
ideia juntar as fobias. Se dois bicudos não se beijam, com dois fóbicos a coisa
podia dar pedal. Um esquisito costuma entender o outro. Claro. Nem sempre. Mas
só quando a pessoa não se acha esquisita o suficiente. Aqueles dois eram
esquisitos assumidos. Havia esperança.
Juntando as escovas de dente eles achavam que viveriam dentro
da caixinha dos iguais, deixando o mundo lá fora à sua própria sorte. Sem
pressão.
Neca. Eles não sabiam que cada um é fóbico à sua maneira e
vai tentando se ajustar à plebe ignara, conforme manda o figurino ou o lugar.
Verdade que fica sempre uma perninha ou um rabinho de fora. Mas hay que tentar
ser normal. Tudo bem, não que tenha alguém normal, mas precisamos convir que
tem gente que se acomoda legal dentro da caixinha e a esquisitice fica quase
despercebida, assim como um lagarto na pedra. Então, eles tentaram essa
história do mimetismo.
Em política, o lagarto na pedra dá o maior pedal. Por que não
daria no amor? Os dois já tinham pós-graduação em fobia, e nesse mundo de hoje
com tantos medos e mi-mi-mis pululando, era a faca e o queijo. Ademais, ela já
leu em algum lugar que o mundo atual tem a estranha tendência de acentuar
identidades, escolhendo a que mais marginaliza: igrejinha, caixinha – mulher,
pobre, gordo, gay, negro e vai por aí. É isso. Estamos conversados. Vamos de
fobia.
Só que não. O tio do cara, encantado que alguém resolvera
encarar o esquisito do sobrinho, recluso, solitário, ofereceu a preço de banana
um apartamento bem situado e grande. Beleza!
Daí começou a grande encrenca. O apartamento era no décimo
segundo andar, de frente para uma grande praça. Uma claustrofóbica e um
agorafóbico! A vista a deixava sem fôlego, o elevador também. E era impossível
para ele vencer a avenida larga e atravessar o espaço da praça.
Escorados em pílulas e tratamentos comportamentais tentaram
vencer o medo e a aversão enorme, causando enjoo e suor frio.
Bom mesmo é que nenhum sofria de acrofobia, o medo de altura,
nem escopofobia, arriscavam comer em público, em restaurantes pequenos e
modestos. Às vezes a comida voltava quando tinham de enfrentar a praça e o
elevador, mas um segurava firme na mão do outro e ambos na mão de Deus. Assim
caminhava a humanidade.
E como uma fobia nunca vem só, ele também descobriu que ela
sofria de ombrofobia. Era só começarem as tempestades com trovão e outras
milongas e lá vinha o dramalhão. E logo ela descobriu que tinha se unido a um
taxofóbico. Deus me livre de desorganização. Um perrengue!
Ele sofria de bicho carpinteiro no corpo, vai ver era
catisófobo. Não conseguia ficar parado,
na dele. Ela por sua vez, ele desconfiava, também sofria de gimnofobia,
nunca topava ficar pelada.
Pelo sim pelo não, a coisa foi indo assim, mambembe, até que
ela o acusou de ser genofóbico, de ter medo de sexo. E ele a acusou de ser
hedonofóbica. Tinha medo do prazer.
Aí, deu ruim de vez. E antes que todo mundo fique fobofóbico.
O casamento acabou.
Maria Solange Amado Ladeira -25/12/2021
www.versiprosear.blogspot.com.br
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