A Ronald Claver


Postado em 09/09/2016
A Ronald Claver, escritor, poeta e mestre.
Solange Amado

POEMA DO ENCONTRO

Para o nosso encontro vou levar
Um vaso de primavera para ninguém chorar
Um canteiro de girassóis e algumas estrelas cadentes
Um verso safado de Gregório e uma canção de ninar de Debussy
Um coração em pânico e aos pulos e uma pedrinha de encantamento
Uma paixão desmedida de Drummond e os cantares do cântico dos cânticos
E um beijo guardado a sete selos.
                      (Ronald Claver)

Foi nos idos de 2012. E nem levei um vaso de primavera, ou um canteiro de girassóis. Só uma baita curiosidade. “O homem entende tudo sobre escrever. Poeta de mão cheia”. Foi o que me disseram. A informação era um tanto preocupante. Nunca tive um amigo poeta. Não tenho intimidade com poemas. Nunca fizeram parte do meu currículo. Mas juntar as palavras no papel sempre me deu tesão. Assumir o meu desejo era outros quinhentos. Deu um certo frio na barriga. “Com ele não tem coré coré. Ou você bate em retirada – não é sua praia, ou a mosca tsé tsé literária te pica e esse namoro com as palavras deslancha de vez”. Parecia o inferno de Dante: “Lasciate ogni speranza voi che entrate”. Mesmo assim, entrei de cabeça. E o capeta Ronald, que eu esperava que me espetasse com um tridente toda semana, pegou leve. Qual o sultão de Sherazade, foi extraindo de mim, uma historinha por semana. E a novela foi ganhando força. As palavras tecendo teias no papel, se insinuando de maneira tão obscena corpo e alma adentro, que quando dei por mim estava grávida de um livro. Foi meio sem querer. Sem culpa. Se o nascituro não vier com muita saúde ou beleza, posso alegar que foi a estratégia do capeta que me surpreendeu.
Quando adentrei o recinto da oficina literária do mestre, esperava que ele pegasse meus textos, jogasse na parede e chamasse de lagartixa. Algo assim meio dramático. Que me fizesse rezar o ato de contrição pelo pecado de ousar, que escrever é uma ousadia sem tamanho.
Fiz mesmo alguns versos safados da minha lavra, e vez em quando uma canção de ninar doce e suave que ninguém é de ferro. Às vezes, com o coração em pânico e aos pulos, ainda penso se posso escrever, se posso me apaixonar pelas palavras, se posso odiá-las vez por outra.
E tudo isso nasceu daquele encontro nos idos de 2012, quando o capetinha Ronald Claver soprou na minha orelha que pecado maior é não assumir os nossos desejos. Desde então, cometo compulsivamente esse pecado solitário das letras. E digo que escrevo. Que duvidar, quem há de?
Acho que era isso que Fabrício Carpinejar procurava quando escreveu: “Eu preciso de um amigo que não me renuncie quando já desisti. Que me lembre de não desistir”.
Tive sorte. Eu achei.


Maria Solange Amado Ladeira                     06/09/2016


www.versiprosear.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário