Uma visita inesperada


Postado em 11/05/2016
Uma visita inesperada
Solange Amado

Não me perguntem como estava vestido. Não prestei atenção. Por mim, estaria pelado, mas não sou eu quem vai interferir nesse particular. É opção de cada um. Só sei que vestia seu sorriso enviesado, torto, indecente. Praticamente um convite explícito a prazeres inconfessáveis. Um sorriso de bordel, arfante, gemebundo, debaixo dos lençóis da minha imaginação. Se tinha alguma indumentária, meu desejo a fez absolutamente dispensável.
Eu já sabia que ele viria um dia. Os jornais  disseram que ele queria conhecer algumas cidades históricas e ia fazer uma aparição relâmpago pela cidade, até o hotel foi anunciado, vizinho à minha casa.  Só não revelaram a data. Queria evitar excesso de exposição á mídia. Como se um deus grego, caído do céu por descuido de São Pedro, pudesse passar despercebido pela mídia nesse nosso modesto rincão. Pensei em montar uma barraca na porta do hotel. Mas seria inútil. Certamente ele ia entrar pela garagem. Tentei subornar o porteiro por algumas informações, mas foi inútil. Ele sabia menos do que eu. Pensei em utilizar o estatuto do idoso pra ter alguma prioridade em alguma possível abordagem. Não colou. O tempo foi passando e eu já estava me tornando uma presença incômoda no saguão daquele hotel. Achei de bom tom me recolher à minha insigne ficância: à mesa de um bar, mais especificamente o Lucas, meu velho conhecido de tempos de outras dores de cotovelo. Pelo menos alí, não incomodava nada, eu e meu hi fi, que no mundo inteiro, um bar é o lugar politicamente correto de afogar as mágoas. E haja mágoa! Porque, ele não só não veio, como cometeu o tresloucado e ultrajante gesto de se casar.
Não importa que ela não seja páreo pra mim. Uma barbie qualquer, de pernas finas e roupas ridículas. Uma versão mais refinada de Maria Chuteira. Mas o que fazer? Homens são assim, caem facinho facinho no canto das sereias interesseiras espalhadas aí por esse mundo de Deus. Nem todos os homens se dão ao trabalho de se atarem aos mastros para resistirem às investidas mais rudes dessas Messalinas.
Concedo. Ele foi fraco. Mas qual homem não o é? Eles não sabem estabelecer diferença entre uma mulher recatada e do lar, e uma aventureira e do bar. Não obstante o bar não ser necessariamente o antônimo do lar, que ninguém é de ferro.
Bom, mas lá vou eu me distanciando do que interessa aqui, ou seja, a minha decepção, o meu sofrimento, a minha raiva.  Até que viesse o perdão. E imaginem quanto bar, quantos litros de hi fi tive que consumir até que meu cotovelo reagisse àquela dor contínua. Mas cheguei lá. Eu o perdoei. Contra a vontade e contra o vento. Perdoei em nome de todas as noites perfeitas que passamos juntos, em nome do desejo compartilhado, daquele tesão interminável, da voz tremula no meu ouvido. Uma comunhão jamais encontrada em outras paragens. Uma cumplicidade de levantar vôo até o infinito.
E foi assim. Um perdão grátis, sem esperar que ele voltasse. Mas um belo dia ele apareceu. Assim, do nada. Eu e meu hi fi nos boquiabrimos, o coração aos saltos. Não havia dúvida. Ele veio direto pra nós com uma xícara de café nas mãos, e a voz carregada de charme: “nespresso”? Ofereceu.  Caramba! Essa voz sensual, o olhar pidão. Indiscutivelmente era ele. George. George Clooney.
Oportunidade imperdível. Sonho realizado. Perfeição. Mas aí eu acordei.



Maria Solange Amado Ladeira                                                          10/052016
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