Mais de um? (João Guimarães Rosa)


Mais de um? (João Guimarães Rosa)
Solange Amado
Nem num sei se, de fato, existe mais de um João amoitado em mim. Sempre existe essa desconfiança. Seja o que for, só sei de mim que não sou um João Ninguém. Isso eu garanto. Sou um João bem singular, que não me pretendia plural. Só aconteceu. O que complica as coisas é essa minha mania de botar de mim nos meus personagens. E por que não? Continuo achando que da mesmice sempre vem novidade. Acho mesmo que as pessoas não estão terminadas. Sou um rascunho de João. Carece de inventar outras maneiras. A gente parte de onde está, e não de onde é. E se vai inventando como que no sonho, quando a gente dispõe do mundo conforme as carências. É assim que eu posso dar essa idéia de muito João brotando da linguagem e da lida do sertão. Porque o sertão não termina nunca, como a gente do sertão, que nunca é passada a limpo, em perpétua continuança, num vai e vem de querências e nunca se entrega.Gente sem paranças, que lá não se tolera o pausar.
Há que virar um João inventado a cada precisão. De ideia não dá para entender qual João é esse de se pegar, qual João é de não ter igual em seus gostos, e qual João é o mutante, o João de muitos nomes, afinando e desafinando conforme a precisão da hora, crescendo sem saber pra onde. Nem botando reparo de cima em baixo. E se botarem reparo com clareza de intenção nos muitos Joões que a minha pena vai desenhando, vão estar concordes em que, todos eles é que foram abrindo picadas no caminho das ideias e do meu papel. Cheguei a pegar medo dessa enxurrada de gente pedindo pouso na minha escrita. E todos vão chegando num arrocho de pressa modo até de girar a cabeça. Dá canseira esse enxameamento de personagem me arrodeando num açodamento de precisão pra nascer. Tem dias que nem não sei qual João é esse que toma gosto de existir e é assim nesse arrocho de existencia que toma forma e toma tento um outro e um outro João, que não sou eu, mas que já vive dentro de mim.
Mas deveras, importância maior do que saber qual João é o quem, é saber que não  carece de caçar ciência e careza na invenção. João que é João já habita o lá dentro de mim. Mas não é pegado em mim, bota a perna no mundo de si mesmo. Não é nenhum Mané!

Maria Solange Amado Ladeira –04/06/13


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